terça-feira, 30 de agosto de 2011

ARTIGO DO AUDITOR SUBSTITUTO DE CONSELHEIRO ALIPIO REIS FIRMO FILHO É PUBLICADO NA REVISTA CONTROLE, DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO CEARÁ

É com grande satisfação que levamos ao conhecimento de todos que a Revista Controle, do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, publicou Artigo intitulado CONTAS IRREGULARES E MULTA REGIMENTAL, de nossa autoria, em sua Edição relativa ao Primeiro Semestre de 2011. O Artigo comenta alguns dispositivos contidos no Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas envolvendo o juízo de mérito proferido pelo Tribunal, de um lado; e a aplicação de multa (regimental) aos seus jurisdicionados, de outro. O tema abordado faz parte de iniciativas do autor objetivando disseminar alguns dos mais importantes conceitos ligados ao controle exercido pelos Tribunais de Contas em nosso País. A íntegra do Artigo poderá ser acessada AQUI.   

domingo, 28 de agosto de 2011

SELEÇÃO DE GIGANTES!!!

O talento agente nunca esquece. Recebi esse link de um amigo. Foi feito por um estrangeiro em homenagem ao nosso querido e saudoso Telê Sant'ana. Ele traz alguns dos melhores momentos da Seleção Brasileira de 1982 que foi, para mim, a melhor seleção da história do futebol brasileiro. Apreciem e admirem alguns momentos de pura...genialidade... 

sábado, 27 de agosto de 2011

ANO LUZ

Vamos refletir um pouco sobre o nosso "tamanho"? Preparei esse texto exatamente com essa finalidade. Há pessoas que se julgam "grandes", "auto-suficientes", "governadores do tempo, das coisas e de tudo". Na verdade, não somos nada diante da grandeza e imensidão do Universo!! Reflita sobre isso. Fraternal abraço!

Aqui na Terra estamos acostumados a medir as distâncias em  centímetros/metros/quilômetros/polegadas/pés/milhas, etc.; dependendo da distância que desejamos representar. Temos, portanto, perfeita noção do que vem a ser  o “metro” ou uma “polegada”. 
Porém, quando estamos frente às distâncias que separam os corpos celestes, estas medidas não são suficientes para as dimensionarmos convenientemente. Isto porque as distâncias são gigantescas...
Apenas para exemplificarmos, a estrela mais próxima da Terra (isso sem considerar o nosso Sol) fica a cerca de 38.000.000.000.000 Kms (trinta e oito trilhões de Kms!!!) de distância.
Se precisamos empregar tantos algarismos para representarmos a distância da segunda estrela mais próxima de nós, imagine quantos algarismos precisaríamos para representar as mais distantes? 
 Ora, existem estrelas que estão a trilhões de Kms. Por isso, quando  começamos  a falar dessas distâncias tão descomunais, o quilômetro simplesmente se torna uma unidade de medida não muito prática para representá-las. Quem gostaria de representar uma distância utilizando 30  ou mais dígitos?
Foi pensando nessa limitação que os astrônomos criaram o Ano-Luz.
Então, para se medir distâncias realmente grandes recorre-se a uma unidade chamada ano-luz. Ela foi concebida a partir da constatação científica de que a luz viaja a 300 mil km/s. Portanto, durante o espaço de tempo coberto por um segundo, a luz percorre uma distância de 300.000 km. Essa distância é chamada de Segundo-luz.
Se nosso propósito é, contudo, sabermos qual a distância percorrida pela luz durante o espaço de tempo de um minuto basta recorrermos a uma regra de três: se em um segundo a luz percorre 300 mil Kms, então em um minuto (que contém sessenta segundos) a luz percorrerá 18.000.000 Kms! Essa distância é chamada de Minuto-luz.  
Caso desejamos saber qual será a distância percorrida pela luz durante o espaço de tempo de uma hora, poderemos solucionar o problema recorrendo à mesma regra de três: se em um minuto a luz percorre 18.000.000 Kms, então em uma hora (que contém sessenta minutos) a luz percorrerá 1.080.000.000 Kms! Poderemos chamar essa distância de Hora-luz.
E qual seria a distância percorrida pela luz durante um ano? Caso desejássemos saber essa distância faríamos o seguinte cálculo:
 1.080.000.000 (Hora-luz) X 24 horas x 365 dias. Obteríamos 9.460.800.000.000 Kms, correspondente à distância percorrida pela luz durante um ano. Essa distância é que os astrônomos chamam de ANO-LUZ. Então um, e apenas um Ano-Luz, compreende a distância de 9.460.800.000.000 Kms!!!, isto é, quase 9,5 trilhões de Kms!!!
Apenas para aguçarmos nossa curiosidade: a Galáxia de Andrômeda, a mais próxima de nós, está a uma distância de 2,2 milhões de Anos-Luz.  Portanto, para calcularmos a que distância a Galáxia de Andrômeda se encontra, bastaríamos multiplicar 9,5 trilhões de Kms por 2,2 milhões de Anos-Luz. O resultado seria uma distância descomunal!
 
Questionamos: e as Galáxias mais distantes??? Estariam a qual distância???




sexta-feira, 26 de agosto de 2011

AUDITORIA DE CONFORMIDADE: O QUE É?

O termo “Conformidade”, empregado no contexto da auditoria governamental, deverá ser tomado como sinônimo de adequabilidade, compatibilidade. Mas questiona-se: adequado em relação a quê? Respondemos: adequado em relação a algumas variáveis. E que variáveis são essas? Bem, há diversas delas. Relacionemos algumas:
- doutrina;
- pareceres;
- portarias;
- resoluções;
- súmulas;
- decretos;
- leis;
- medidas provisórias;
- editais;
- acórdãos.
Portanto, quando falamos em Auditoria de Conformidade estamos nos referindo a uma modalidade de fiscalização que procura fazer um paralelo entre a situação fática encontrada no ambiente dos órgãos e entidades públicos e os diversos comandos normativos regedores desta mesma situação fática. O objetivo é avaliar a adequabilidade (ou não) entre uma e outra. Em outras palavras, procura-se concluir se determinada tarefa ou atividade está sendo realizada obedecendo ao ordenamento jurídico pertinente. Esse ordenamento jurídico poderá assumir qualquer uma das normas enumeradas acima. De certa maneira, essa forma de atuar é um tanto quanto fria no sentido de que a análise assim levada a efeito desgarra-se, quase sempre, de concepções subjetivas e ampara-se nos comandos normativos. Prevalece, portanto, a vontade normativa que, na quase totalidade das vezes, não leva em consideração particularidades inerentes ao processo de administrar e que, em algumas situações, são os responsáveis pelas falhas e irregularidades encontradas.
O Tribunal de Contas da União define Auditoria de Conformidade como sendo o Instrumento de fiscalização utilizado pelo Tribunal para examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão dos responsáveis sujeitos a sua jurisdição, quanto ao aspecto contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial[1].
O modelo de Auditoria de Conformidade atualmente adotado pelo Tribunal inspirou-se em modelos de fiscalizações existentes em outros países, notadamente o Canadá e o Reino Unido, com prevalência para este último. É que há quinze anos atrás o Tribunal iniciou um movimento no sentido de procurar adaptar seus instrumentos de fiscalização às modernas técnicas utilizadas nos países do primeiro mundo. Nesse período, o Tribunal ajustou  convênios de cooperação com importantes Entidades de Fiscalização Superiores, a exemplo do National Audit Office da Grã-Bretanha. O objetivo foi reformular inteiramente a forma de fiscalizar até então praticada pelo Órgão.
No âmbito do TCU a estrutura da Auditoria de Conformidade assenta-se em quatro pilares:
·         padrões de planejamento
·         padrões de execução
·         padrões de elaboração do relatório
·         padrões de controle de qualidade 


[1] Definição contida no Roteiro de Auditoria de Conformidade – TCU.

sábado, 20 de agosto de 2011

O QUE É TRANSPOSIÇÃO, REMANEJAMENTO OU TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS?

O Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, José Ribamar Caldas Furtado, produziu um artigo em que analisa a vedação contida no art. 167, VI, da Constituição Federal (São vedados:  a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa). Ao mesmo tempo, o Conselheiro faz um paralelo destes institutos com os Créditos Adicionais. Dada a excelência na abordagem do tema, compartilho-a com todos vocês aqui no Blog. Boa leitura!! 



Pelo princípio da proibição de estorno de verbas, é vedada a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa (CF, art.167, VI). Por categoria de programação deve-se entender a função, a subfunção, o programa, o projeto/atividade/operação especial e as categorias econômicas de despesas [01].

O constituinte de 1988 introduziu os termos remanejamento, transposição e transferência em substituição à expressão estorno de verba, utilizada em constituições anteriores para indicar a mesma proibição [02]. Em verdade, trata-se de realocações de recursos orçamentários de uma categoria de programação para outra, ou de um órgão para outro, sempre dependendo de autorização a ser consignada por meio de lei específica.

J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis ressaltam que há uma profunda diferença entre os créditos adicionais e as técnicas de transposição, remanejamento e transferência de recursos orçamentários. No caso dos créditos adicionais, o fator determinante é a necessidade da existência de recursos; para as demais alterações, é a reprogramação por repriorização das ações o motivo que indicará como se materializarão [03]. Esses autores apontam quatro motivos que podem dar origem aos créditos adicionais: a) variações de preço de mercado dos bens e serviços a serem adquiridos para consumo imediato ou futuro; b) incorreção no planejamento, programação e orçamentação das ações governamentais; c) omissões orçamentárias; d) fatos que independem da ação volitiva do gestor. Por outro lado, os remanejamentos, transposições e transferências de recursos de uma dotação para outra ou de um órgão para outro terão sempre um único motivo: repriorizações das ações governamentais [04].

Como se depreende, as figuras do artigo 167, IV, da Constituição terão como fundamento a mudança de vontade do Poder Público no estabelecimento das prioridades na aplicação dos seus recursos, fato que, pela própria natureza, demanda lei específica alterando a lei orçamentária. É o princípio da legalidade que exige, no caso, lei em sentido estrito; é o princípio da exclusividade que informa que ela é específica.

Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles pontifica que, havendo necessidade de transposição de dotação, total ou parcial, será indispensável que, por lei especial, se anule a verba inútil ou a sua parte excedente e se transfira o crédito resultante dessa anulação [05]. Esse autor diz que concorda com José Afonso da Silva [06] quanto à tese de que a autorização genérica prevista no artigo 66, parágrafo único, da Lei nº 4.320/64 [07] é inconstitucional, uma vez que a prévia autorização legal, a que se refere o inciso VI do artigo 167 da Constituição Federal há de ser concedida em cada caso em que se mostre necessária a transposição de recursos [08].

A verdade é que, conforme ensinam J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis, as anulações parciais ou totais de dotações oriundas da LOA ou de créditos adicionais não têm a mesma conotação e conceitos de remanejamentos, transposições e transferências por terem objetivos completamente diversos, ainda que possam ter como característica comum a realocação de recursos orçamentários [09]. Na essência, refletem fatos diferentes que podem, ou não, traduzir mudanças ou modificações na estrutura do orçamento, dependendo, exclusivamente, da natureza da decisão administrativa e do seu efeito sobre a estrutura administrativa, sobre o elenco de ações que serão executadas ou sobre o rol de recursos não financeiros – humanos, materiais, tecnológicos e outros – que serão utilizados na execução daquelas ações.

Com efeito, os termos remanejamento, transposição e transferência evidenciam que na gestão das atividades das entidades de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e demais entidades de caráter público criadas por lei) podem ocorrer mudanças ou modificações de natureza administrativa, econômica, social, financeira e patrimonial, com reflexos na estrutura original do orçamento e não apenas de natureza financeira ou patrimonial.

Destaque-se que a Constituição associa os termos remanejamento, transposição e transferência a duas situações: a) realocação de recursos de uma categoria de programação para outra, ou seja, deslocamento de fundos em nível de função, subfunção, programa, projeto/atividade/operação especial e das categorias econômicas de despesas [10]; b) destinação de recursos de um órgão para outro.

Cumpre estabelecer a diferença entre remanejamento, transposição e transferência:
a) remanejamentos são realocações na organização de um ente público, com destinação de recursos de um órgão para outro. Podem ocorrer, por exemplo, em uma reforma administrativa. A extinção de um órgão pode levar a Administração a decidir pelas realocações das atividades, inclusive dos respectivos programas de trabalho, recursos físicos e orçamentários, para outros órgãos, sejam da administração direta, sejam da administração indireta. Nesse caso, não cabe a abertura de crédito adicional especial para cobertura de novas despesas, uma vez que as atividades já existem, inclusive os respectivos recursos não financeiros. Entretanto, se houver a necessidade da criação de um cargo novo, a Administração deverá providenciar a abertura de um crédito adicional para atender a essa despesa;
b) transposições são realocações no âmbito dos programas de trabalho, dentro do mesmo órgão. Pode acontecer que a administração da entidade governamental resolva não construir a estrada vicinal, já programada e incluída no orçamento, deslocando esses recursos para a construção de um edifício para nele instalar a sede da secretaria de obras, também já programada e incluída no orçamento, cujo projeto original se pretende que seja ampliado. Nesse caso, basta que a lei autorize a realocação dos recursos orçamentários do primeiro para o segundo projeto;
c) transferências são realocações de recursos entre as categorias econômicas de despesas, dentro do mesmo órgão e do mesmo programa de trabalho. Ou seja, repriorizações dos gastos a serem efetuados. Pode ocorrer que a administração do ente governamental tenha que decidir entre realocar recursos para a manutenção de uma maternidade ou adquirir um novo computador para o setor administrativo dessa maternidade, que funciona relativamente bem, ainda que utilizando computadores antigos. A opção por recursos para a manutenção da maternidade se efetivará através de uma transferência, que não se deve confundir com anulações, parciais ou totais, de dotações para abrir crédito adicional especial. Nas transferências, as atividades envolvidas continuam em franca execução; nos créditos adicionais especiais ocorre a implantação de uma atividade nova.

A realidade é que, desde a edição do Código de Contabilidade Pública, em 8 de novembro de 1922, os créditos adicionais – suplementares, especiais e extraordinários – são tidos e havidos como as únicas formas de alteração do orçamento no decorrer do exercício financeiro, estando ainda em desuso as técnicas previstas no art. 167, VI, da Constituição Federal. A não-efetividade dessa norma constitucional, e até mesmo o desconhecimento do seu significado, é impulsionada pela facilidade que se tem na abertura de crédito adicional suplementar, cuja autorização pode estar prevista na lei orçamentária, o que não ocorre com os procedimentos de estorno de verba, que devem sempre ser autorizados por leis específicas. Acrescente-se que carece de regramento jurídico o procedimento de se autorizar, na própria LOA, a abertura de créditos suplementares. Em conseqüência, comuns são os abusos resultantes de autorizações sem critérios.

É necessário esclarecer que as figuras remanejamento, transposição e transferência não estão previstas na Lei nº 4.320/64, visto que sugiram no Texto Constitucional posteriormente. Desse modo, os arts. 40 a 46 da Lei nº 4320/64 cuidam exclusivamente dos créditos adicionais (suplementares, especiais e extraordinários). Lá estão dispostas as regras que devem ser observadas, relativamente à indicação dos recursos orçamentários e financeiros, por ocasião da autorização (por lei) e abertura (por decreto do Executivo) dos créditos adicionais.

Dispõe a Constituição Federal, art. 165, § 8º [11], que a lei orçamentária não conterá dispositivo estranho à previsão de receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares [12] e contração de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei. A relação de exceções feita pelo constituinte nesse dispositivo é taxativa (numerus clausus). Isso significa que a LOA não pode dar autorização para o Executivo proceder a remanejamentos, transposições ou transferências de um órgão para outro ou de uma categoria de programação para outra. Ou ainda, que os procedimentos previstos no artigo 167, VI, devem ser autorizados através de lei específica.

Não custa nada lembrar que, quando se trata de alocação no orçamento em execução de recursos provenientes de superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior, de excesso de arrecadação ou de operações de crédito (Lei nº 4.320/64, art. 43, § 1º, I, II e III, in fine), a via do crédito adicional suplementar não possui restrição, salvo o limite estabelecido na própria lei orçamentária [13]. Portanto, o problema reside apenas quando se faz realocação de recursos resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias constantes do orçamento (Lei nº 4.320/64, art. 43, § 1º, III, primeira parte) [14].

Agora uma questão da maior importância para o sistema orçamentário brasileiro: pode o Chefe do Executivo utilizar créditos adicionais suplementares ou especiais para realocar recursos nos casos típicos de remanejamento, transposição ou transferências? A resposta é não. É princípio basilar da hermenêutica jurídica que a lei não contém palavras inúteis. Tratando-se de termos constantes na Lei Fundamental, esse argumento de interpretação fica ainda bem mais contundente. O certo é que, se diferente fosse, nenhum valor teriam os termos do artigo 167, VI, da Constituição Federal.

Daí a conclusão de grande relevo: pelo sistema idealizado pelo constituinte de 1988, os créditos adicionais suplementares abertos com base na autorização concedida na própria lei orçamentária e com fundamento em aporte de recursos oriundos de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias (Lei nº 4.320/64, art. 43, § 1º, III) só podem ocorrer quando se tratar de deslocamento de recursos dentro do mesmo órgão e da mesma categoria de programação [15]. Ou seja, remanejamentos de recursos de um órgão para outro e transposições ou transferências de uma categoria de programação para outra, somente podem ser autorizados através de lei específica, sob pena de antinomia com a Lei Maior.

Entretanto, as gestões orçamentárias brasileiras ainda não perceberam a vontade da Carta de 1988 nesse aspecto, fato que faz com que a prática da abertura de créditos adicionais suplementares, com base na autorização dada na LOA, seja utilizada como panacéia, à revelia do artigo 167, III, da Constituição Federal.

Essa prática destrói a rigidez do orçamento público pretendida pelo ordenamento jurídico pátrio, com prejuízos para todo o sistema constitucional orçamentário que, enfraquecido, deixa de ser veículo necessário de planejamento das ações da Administração Pública, em desfavor do regime de gestão fiscal responsável preconizado pelo art. 1º, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ressalte-se que incorre no denominado crime de desvio de verbas, tipificado no artigo 315 [16] do Código Penal, quem der às verbas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei. Desvio de verba, ensina Hely Lopes Meirelles, "é a transposição de recursos de determinada dotação para outra sem prévia autorização legal, com infração ao disposto no art. 167, VI, da CF" [17]. Se essa conduta for praticada por Prefeito Municipal, será enquadrada no artigo 1º, III, do Decreto-Lei nº 201/67 [18], que comina pena mais severa. Também constitui ato de improbidade administrativa influir de qualquer forma para a aplicação irregular de verba pública (Lei nº 8.429/92, art. 10, XI [19]).


Notas
01 Vide Portaria nº 42, de 14/4/99 (BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Portaria nº 42, de 14/04/1999. INTERNET: http://www.planejamento.gov.br/orcamento/conteudo/legislacao/portarias/portaria_42_14_04_99.htm - 05/12/05).
02 A Carta de 1967 já utilizou o termo transposição em seu artigo 61, § 1º, alínea a, ao proibir tal procedimento, sem prévia autorização legal, de recursos de uma dotação orçamentária para outra.
03 MACHADO JR., José Teixeira, REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 comentada. 30ª ed. Rio de Janeiro: IBAM, 2000/2001, p. 109.
04 MACHADO JR., José Teixeira, REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 comentada. 30ª ed. Rio de Janeiro: IBAM, 2000/2001, p. 103.
05 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 226.
06 A obra citada de José Afonso da Silva é Orçamento-programa no Brasil (SILVA, José Afonso da. Orçamento-programa no Brasil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1973, p. 315).
07 É permitida a redistribuição de parcelas das dotações de pessoal, de uma para outra unidade orçamentária, quando considerada indispensável à movimentação de pessoal, dentro das tabelas ou quadros comuns às unidades interessadas, a que se realize em obediência à legislação específica (Lei nº 4.320/64, art. 66, § único).
08 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 226.
09 MACHADO JR., José Teixeira, REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 comentada. 30ª ed. Rio de Janeiro: IBAM, 2000/2001, p. 110.
10 Vide Portaria nº 42, de 14/4/99 (BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Portaria nº 42, de 14/04/1999. INTERNET: http://www.planejamento.gov.br/orcamento/conteudo/legislacao/portarias/portaria_42_14_04_99.htm -05/12/05).
11 A Lei nº 4.320/64 tem dispositivo semelhante (art. 7º, I).
12 Isso quer dizer que a autorização para abertura de créditos suplementares pode ser dada na própria lei orçamentária, que deve fixar o limite de tal autorização em valores absolutos ou em percentuais. A lei que autorizar a abertura de crédito adicional especial também poderá autorizar a suplementação do respectivo crédito, observadas as mesmas normas e princípios aplicáveis no caso da suplementação prevista na LOA.
13 Nesses casos, a alteração do orçamento se opera de forma quantitativa.
14 Aqui a alteração no orçamento é qualitativa.
15 Exemplo: deslocamento de recursos orçamentários destinados a pagamentos de diárias para pessoal.
16 Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena – detenção, de um a três meses, ou multa (CP, art. 315).
17 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 227.
18 São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas (Decreto-lei nº 201/67, art. 1º, III). Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos (§ 1º). A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular (§ 2º).
19 Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular (Lei nº 8.429/92, art. 10, XI). Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: (...) II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; (...) Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente (Lei nº 8.429/92, art. 12, II e § único).

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

MULTA APLICADA POR TRIBUNAL DE CONTAS A GESTOR MUNICIPAL DEVE SER EXECUTADA POR ENTE PÚBLICO QUE MANTÉM A REFERIDA CORTE

O Superior Tribunal de Justiça, através do Agravo Regimental em Recurso Especial n. 1.181.122 - RS, decidiu que "a legitimidade para ajuizar a ação de cobrança relativa ao crédito originado de multa aplicada a gestor municipal por Tribunal de Contas é do ente público que mantém a referida Corte". A Decisão alterou a linha de  entendimento da Corte que, até então, tinha a convicção que, em tais casos, caberia ao ente municipal fiscalizado o direito à cobrança. Esta posição decorria de interpretação extraída do resultado de julgamento do Supremo Tribunal Federal  no Recurso Extraordinário n. 223037-1/SE, de Relatoria do Ministro Maurício Corrêa. Confira:  https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000318586&dt_publicacao=21/05/2010

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

STF DECIDE QUE APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS TEM DIREITO À NOMEAÇÃO

Para quem deseja ingressar no serviço público, o STF acaba de confirmar o entendimento segundo o qual um candidato, aprovado em seleção pública dentro do número das vagas oferecidas, tem direito à nomeação. Embora o entendimento não seja inovador já que há precedentes, a notícia serve de alento àqueles que passam pelo "suplício" de virem a ser nomeados em tais condições. Confira: http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2011/08/aprovado-em-concurso-tem-direito-nomeacao-decide-o-stf.html

O QUE SÃO ACHADOS DE AUDITORIA?

               O Manual de Auditoria de Conformidade do Tribunal de Contas da União conceitua os Achados de Auditoria como qualquer fato significativo, digno de relato pelo servidor designado para o levantamento dos trabalhos de campo. Por “fato significativo” pode-se entender como o decorrente da comparação entre a situação encontrada e o correspondente critério adotado, devendo ser devidamente comprovado por evidências juntadas ao relatório. Ainda segundo o mesmo Manual os achados de auditoria poderão ser negativos (quando revela impropriedade ou irregularidade) ou positivo (quando aponta boas práticas de gestão). A propósito, a minuta do regulamento de uniformização dos procedimentos de correição ordinária das corregedorias dos Tribunais de Contas do Brasil adota essa estrutura. Nela os achados são chamados de “achados de correição”. Para nós, achados de auditoria. 

            Os achados de auditoria podem receber outras denominações, a exemplo dos pontos de auditoria utilizados por alguns órgãos de controle externo. Na verdade, as expressões são sinônimas e remetem a uma mesma realidade.

            Note que a partir da definição formulada foram feitas referências a alguns elementos que, aliás, propositalmente negritamos para colocá-los em relevo nesses nossos comentários.  Tais elementos foram: (1) situação encontrada, (2) critério, (3) evidência, (4) negativo e (5) positivo.  Deixemos de comentar, por ora, os achados negativos e positivos e acrescentemos dois  outros elementos, igualmente importantes: o título do achado e a proposta de encaminhamento. 

            Com efeito, na realização dos trabalhos de campo o servidor designado  deverá ter sempre em mente a preocupação por caracterizar suficientemente e objetivamente as irregularidades que encontrar. Eventuais falhas nesse processo poderão acarretar (e frequentemente acarretam) informações desencontradas e incompletas que facilmente poderão servir de munição  pelos responsáveis (contra os quais foram construídas) para fulminar as restrições apontadas em seu relatório. Portanto, é de suma importância que os técnicos tenham consciência dessa realidade e se acautelem devidamente para evitarem retrocessos nesse sentido. Lembramos que negligências nessa fase processual colocará em dúvida não apenas a competência técnica e profissional de cada  servidor; mas, igualmente, a da própria instituição por ele representada.    

            Os elementos outrora destacados constituem-se em parâmetros seguros para se alcançar uma caracterização suficiente e objetiva dos achados coletados nos trabalhos de campo. Vejamos, resumidamente, o conceito de cada um deles:

            TÍTULO DO ACHADO: todo achado de auditoria deve receber uma identificação que o caracterize e o diferencie dos demais. É através do título que o achado de auditoria ganha individualidade. Fazendo um paralelo: assim como uma pessoa se diferencia da outra através de seu nome, um achado se difere dos demais por meio de seu título.
           
            Recomenda-se que o título do achado deva ser curto e objetivo  devendo refletir, sinteticamente, o núcleo da natureza da irregularidade encontrada. Funciona à maneira de uma manchete de jornal; e sua função é chamar a atenção do leitor para o conteúdo que enuncia. Vejamos alguns exemplos.

            Exemplo 01: servidor irregularmente cedido/requisitado.

            Exemplo 02: acumulação indevida de cargos públicos.
           
            Exemplo 03: descontrole sobre a guarda dos bens patrimoniais.

            Não existe uma fórmula para a construção dos títulos dos achados de auditoria. Ela decorre, muitas vezes, da sensibilidade e experiência de cada servidor. Muito embora contenha esse conteúdo subjetivo, deverá incorporar uma parcela objetiva quando enunciado, a fim de transmitir exato contorno da irregularidade encontrada  para quem o lê o. 

            SITUAÇÃO ENCONTRADA: corresponde à situação existente, identificada e documentada durante a fase de execução da auditoria. É através desse elemento que o servidor encarregado dos trabalhos de campo irá contextualizar o ambiente em que identificou a irregularidade. Através dele serão dadas as principais características daquele ambiente individualizando-o no tempo, no espaço e no modo como a irregularidade se manifestou. Também deverá ser feita referência aos responsáveis envolvidos que, direta ou indiretamente, concorreram para a ocorrência das restrições apontadas, assim como, aos documentos que sustentam o contexto descrito (mediante remessa às “folhas” onde serão encontrados). Em síntese: no tópico “situação encontrada” serão respondidos questionamentos básicos, tais como:

            Quem? Quando? Como? Onde?

            Uma construção correta desse elemento certamente concorrerá para tornar mais robustecido os trabalhos de campo. Exemplifiquemos.

“O Contrato mantido com a empresa (...) para a prestação de serviços de telefonistas e fornecimento de chapas havia expirado em 21 de agosto de 2002. Em decorrência de atraso na preparação do Projeto Básico para atender à nova contratação (fls. AA), o serviço continuou a ser prestado, ainda que sem a devida cobertura contratual. Em 08 de outubro de 2002 a empresa (...) encaminhou expediente à unidade auditada solicitando o pagamento da Nota Fiscal nº Y, referente ao serviço prestado no período de 22/08 a 04/10/2002 (fls. 64). Após os despachos administrativo e jurídico (fls. XX) foi autorizada a emissão da Nota de Empenho nº X em 04 de novembro de 2002, isto é, um mês após a prestação dos serviços (fls. YY). Não obstante, os Srs. Fulano de Tal e Sicrano de Tal, gestores do Contrato expirado, atestaram o cumprimento das normas legais e regulamentares (fls. WW). Com efeito, restaram infringidos tanto o Art. 60 da Lei nº 4.320/64 quanto o Art. 24 do Decreto Lei nº 93.872/86, que vedam a realização de despesas sem prévio empenho”
           
              
            Crítério de auditoria: é qualquer legislação,  norma,  jurisprudência ou entendimento doutrinário que a equipe de auditoria compara com a situação encontrada. O critério reflete como deveria ser a gestão e serve de parâmetros para medirmos o grau de incidência do calço legal dos atos praticados pelo gestor público (imposto pelo princípio da legalidade).

            O critério de auditoria tem fundamento no seguinte: uma lei, um regulamento, uma jurisprudência, um entendimento doutrinário define, em regra, como algo deve ser realizado. Ocorre que na realização dos trabalhos de campo essa regra poderá não está sendo observada pelo gestor público. Consequentemente, existirá uma divergência entre o que o critério de auditoria deseja e aquilo que o agente público realiza. Essa divergência dará origem aos achados de auditoria propriamente ditos. Exemplifiquemos.

            O art. 60 da Lei nº 4.320/64 determina que a realização das despesas sejam previamente empenhadas. O critério aqui adotado é uma lei. Ela resume o desejo do legislador. Contudo, frequentemente nos deparamos (nos trabalhos de campo) com situações em que esta regra não vem sendo observada. Despesas são realizadas sem prévio empenho. Nesse caso, haverá uma divergência entre os atos de gestão e o comando legal. Essa diferença é que chamamos de achados de auditoria. 

            A ausência da referência ao critério de auditoria fragiliza muito os achados além de torná-los vulneráveis a eventuais questionamentos interpostos pelos responsáveis.     

            EVIDÊNCIA: Informações obtidas durante a auditoria no intuito de documentar os achados e de respaldar as opiniões e conclusões da equipe, podendo ser classificadas como físicas, orais, documentais e analíticas. É o elemento mais importante dos achados, pois é através dele que as afirmações feitas nos relatórios de auditoria são provadas. As evidências, portanto, correspondem ao conjunto probatório das restrições pontuadas. Sem evidência não há como provar uma irregularidade. Consequentemente, não há como apenar os responsáveis (aplicação de multa, proposituras de ações judiciais, declaração de inidoneidade de licitantes etc.) e/ou julgar as contas regulares, regulares com ressalvas ou irregulares. De nada valerá a fé pública que reveste a atividade dos servidores públicos. Sem a evidenciação do achado nenhuma afirmação ou negação feita nos relatórios de auditoria terá validade. Será considerada letra morta. Portanto, para cada achado de auditoria deverá ser juntada uma evidência capaz de sustentá-lo em toda a sua plenitude. Essa evidência, vale ressaltar, não deverá ser maior nem menor que o achado. Explicamos.

            Se constato nos trabalhos de campo que um determinado servidor vem percebendo um valor indevido em sua remuneração nos últimos três meses não necessito juntar, para evidenciar essa situação, a folha de pagamento de todos os servidores e de todos os meses do ano. Isso equivalerá a juntar documentos inúteis no processo de apuração dos fatos. Nesse caso, devemos construir a nossa evidência com uma documentação razoável e suficiente, capaz de sustentar uma eventual proposta de notificação e/ou correção dos valores pagos. A idéia é não gerar volume documental desnecessário prática, aliás, infelizmente, muito comum em sede de auditoria pública em nosso país. Na situação apontada bastará extrair cópia da documentação que comprove o pagamento dos valores supostamente indevidos (dos meses correspondentes) e de mais alguns meses anteriores àquele em que a irregularidade começou a se configurar. É importante que as cópias sejam autenticadas, a fim de que adquiram validade. Para tanto, o registro de praxe nas cópias extraídas (confere com o original)  alcançará essa finalidade.

            As evidências poderão adquirir as mais diversas formas documentais: uma declaração expedida pelo responsável, uma nota de empenho, a folha de pagamento, um termo de responsabilidade pela guarda e conservação de bens permanentes, fichas de controle de estoques, enfim, qualquer documento que seja reputado como legítimo poderá servir de prova dos achados de auditoria.

            Também aqui não existe uma fórmula para a evidenciação dos achados de auditoria. Apenas recomenda-se que as provas coletadas sejam, conforme dissemos, razoáveis e suficientes para sustentar as etapas processuais subseqüentes. A experiência e a perspicácia de cada servidor serão fundamentais para uma perfeita evidenciação.        

                PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO: corresponde ao “fecho” dos achados de auditoria. É o momento em que o técnico irá propor qual o procedimento que será adotado diante dos achados de auditoria por ele relacionados. Normalmente, as propostas de encaminhamento resumem-se no chamamento dos responsáveis aos autos mediante sua notificação para o exercício do contraditório e da ampla defesa. É nas propostas de encaminhamento que deverá ficar claro se haverá ou não notificação solidária de responsáveis.

            Em regra, elas possuem a seguinte estrutura:

“Notificação do Sr. Fulano de tal, responsável pelo Setor (...), a fim de que apresente justificativas para (...) uma vez que ficou caracterizada a infração ao disposto nos arts. (....) da Lei nº (....), conforme inciso II do art. 74 do RI/TCE-AM[1]
  
            Em suma, podemos dizer que a reunião desses elementos no corpo dos relatórios de auditoria torná-lo-á impessoal, objetivo e substancialmente fundamentado, além de apto a sustentar as fases processuais subseqüentes.




[1] Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

UM GESTOR PÚBLICO (Secretário, Diretor, Coordenador etc.) PODE RESPONDER POR FATOS NÃO OCORRIDOS EM SUA GESTÃO?

Há duas situações em particular nas quais um gestor público pode vir a ser responsabilizado por fatos não ocorridos em sua gestão:

1 - quando, ao assumir o cargo, não cumpriu as determinações feitas pelo Tribunal de Contas e encaminhada aos seus antecessores;

2 - quando seus antecessores não cumpriram alguma obrigação que estavam obrigados a cumprir e ele, após assumir a função, também não as cumpriu. 

Nas situações apontadas o gestor deixou de agir quando estava obrigado a fazê-lo. Foi, portanto, OMISSO. 

A primeira hipótese corresponde ao PASSIVO que todo gestor público herda quando assume o cargo. Esta categoria de omissão poderá levar ao julgamento das contas pela irregularidade, conforme, aliás, prevê a Lei Orgânica de praticamente todos os Tribunais de Contas do País. Na Lei Orgânica do TCE-AM (Lei n. 2.423/1996) esta possibilidade está prevista no parágrafo primeiro do art. 22. Na Lei Orgânica do TCU (Lei n. 8.443/92) está contida no parágrafo primeiro do art. 16.

Quanto à segunda hipótese, trata-se também de um PASSIVO cuja origem, entretanto, é diversa da primeira. Enquanto nesta o dever de agir decorre da comunicação processual do Tribunal de Contas, naquela ela deriva das competências do cargo em si. É evidente que esta modalidade de omissão relaciona-se com as INADIMPLÊNCIAS QUE PERMANECEM NO TEMPO E SOMENTE SÃO SOLUCIONADAS QUANDO ALGUÉM AS REALIZA (NO FUTURO). Ex: Um gestor "A" assumiu sua função em 01/01 de um ano qualquer. Permaneceu no cargo até 01/08 do mesmo ano. Durante esse período, entretanto, não encaminhou ao Tribunal de Contas os balancetes mensais que estava obrigado a fazê-lo deixando sua unidade em situação de inadimplência perante o Tribunal. Seu sucessor, portanto, ao assumir o cargo em 02/08 daquele ano terá um PASSIVO: retirar a unidade desta situação mediante o encaminhamento DE TODOS OS BALANCETES referente ao período de seu antecessor, sob pena de responsabilidade solidária.

Importante destacar que a responsabilidade será SOLIDÁRIA. Portanto, o fato de a responsabilidade recair sobre o novo gestor não exclui a responsabilidade do antecessor. É este, aliás, o sentido do disposto contido no art. 24 da Lei Orgânica do TCE-AM, verbis:

Art. 24 - Quando julgar as contas regulares com ressalva, o Tribunal de Contas dará quitação ao responsável e lhe determinará, ou a quem lhe haja sucedido, a adoção de medidas necessárias à correção das impropriedades ou faltas identificadas de modo a prevenir a ocorrência de outras semelhantes. (grifamos)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

UMA BALA NO MEIO DAS PEDRAS PRECIOSAS

Sempre tive "sorte" para encontrar bons livros. Às vezes, numa visita despretensiosa a uma livraria, encontro livros interessantes, autores interessantes que acabam acrescentando algo à minha vida. Foi assim que aconteceu com o livro "OS MILAGRES DE FÁTIMA", escrito pelos jornalistas Roberto e Renzo Allegri (Editora Paulinas, 2010, 328 páginas). Nele, os autores apresentam informações preciosas colhidas junto ao sobrinho da Irmã Lúcia de Fátima, Padre José dos Santos Valinho, a respeito da época das aparições. Mas eles vão mais longe. Relatam detalhes do que ocorreu com os videntes (Jacinta, Francisco e Lúcia) após as aparições, tais como em que circunstâncias Jacinta e Francisco deixaram este mundo e foram para o Pai. Para mim, uma obra fabulosa e que nos convida a reflexão sobre a vida, sobre a morte, sobre como estamos nos conduzindo neste mundo... Por isso, recomendo-a. Dentre os inúmeros fatos encontratos na Obra estou compartilhando aqui no Blog o Capítulo XXI intitulado Uma Bala no Meio das Pedras Preciosas. Ele retrata, em detalhes, a (terrível) experiência de João Paulo II por ocasião do atentado sofrido na Praça de São  Pedro em 1981. Mas não apenas isso. Ressalta algumas "coincidências" que aos poucos foram sendo reveladas ao mundo. Por isso o escolhi para compartilhar com todos vocês. Boa leitura a todos!!!


"Antes de deixarmos Portugal, passamos pelo escritório do reitor do Santuário, para pegar algumas fotografias que nos tinham sido prometidas. São da coroa da Imagem de Nossa Senhora.

É uma coroa especial, muito valiosa, toda em ouro; pesa 1.200 gramas e foi enriquecida com 313 pérolas e 2.676 pedras preciosas. Foi oferecida a Nossa Senhora de Fátima pelas mulheres de Portugal e só é colocada na cabeça da imagem nos dias de festa mais importantes ligados às aparições. No resto do ano é guardada num cofre.

Ora, a esta coroa foi acrescentada, em 1982, uma última preciosidade. Não é de material valioso, mas, devido aos significados misteriosos e enigmáticos que encerra, é sem dúvida nenhuma a mais preciosa das jóias da coleção. Trata-se da bala com que João Paulo II deveria ter sido morto. Aquela bala calibre 9 que, tendo sido disparada pelo turco Ali Agca, a 13 de maio de 1981, na Praça de São Pedro, dilacerou a carne do pontífice, entrou no seu corpo, devastando-o, para depois sair, acabando por cair no fundo do jipe em que o Papa se encontrava.

O projétil está lá, no centro da coroa. A sua cor, escura e opaca, contrasta, de forma quase ameaçadora, com o fulgor cin­tilante das pérolas e das pedras preciosas. Quando a coroa é co­locada na imagem, a bala fica a poucos centímetros da cabeça de Nossa Senhora. Contudo, trata-se de um instrumento de morte que se tornou inofensivo, domado e derrotado, como a serpente que a Virgem esmaga com o pé desde a noite dos tempos.

Ao olhar para aquela bala, e ao recordar a sua história, é impossível não detectar coincidências desconcertantes. A 13 de maio de 1917, em Fátima, tinham início as aparições de Nossa Senhora; a 13 de maio de 1981, sexagésimo-quarto aniversá­rio do acontecimento, em Roma, tinha lugar o atentado a João Paulo II.

Tinha disparado para matar

Era uma quarta-feira. Durante a tarde, João Paulo II des­ceu à Praça de São Pedro para a audiência geral, como fazia todas as quartas-feiras. Seguia num jipe branco, descoberto; en­quanto atravessava a praça, ia-se detendo aqui e ali, para apertar mãos que se lhe estendiam e para abençoar crianças. Às 17h17 parou para pegar uma menina ao colo; beijou-a e depois devol­veu-a ao pai. Logo a seguir ouviram-se dois tiros. O pontífice caiu, emitindo um gemido de dor. A sua veste branca tingiu-se de vermelho, à altura do abdome.

O sangue corria, abundante. O motorista do jipe partiu como um raio em direcção à ambulância mais próxima, estacio­nada perto da Porta de Bronze. Esta, porém, não estava preparada como unidade de reanimação, e o Papa foi transferido para uma segunda ambulância. Em 15 minutos chegou à Policlínica Gemelli.

O autor do atentado, Ali Agca, um jovem turco de 23 anos, tinha disparado de uma distância de seis metros, com a intenção de matar. Dois tiros. Uma bala ferira o Pontífice no cotovelo di­reito, a outra atingira-o no indicador da mão esquerda e depois penetrara no abdome.

João Paulo II chegou moribundo à sala de operações. A tensão arterial baixara muitíssimo e o pulso estava quase imper­ceptível. O secretário pessoal do Papa, Dom Estanislau Dziwisz, administrou-lhe os últimos sacramentos, mas o Santo Padre não estava consciente. Quando o professor Francesco Crucitti, prin­cipal cirurgião da Policlínica Gemelli, fez a incisão com o bisturi, saiu um abundante jorro de sangue. O Papa tinha perdido 60% de sangue devido a hemorragias internas.

A intervenção durou cinco horas e vinte minutos. Foram removidos 50 centímetros de intestino do Papa. Contudo, à medida que os médicos prosseguiam na sua avaliação dos danos causados pelo projétil, iam-se apercebendo que ocorrera um pro­dígio absolutamente inexplicável. A bala seguira uma trajetória completamente anormal. Parecia ter sido guiada de modo a evitar os órgãos vitais. Passara a poucos milímetros da aorta, e quase tangente à coluna vertebral. Se tivesse atingido a aorta, o Papa teria morrido; se tivesse tocado na coluna vertebral, teria fica­do paralítico. Isso, porém, não acontecera. A bala não provocara qualquer dano irreparável.

"Uma mão disparou, outra mão guiou o projétil", viria o Papa a comentar, mais tarde.

Uma coincidência impressionante

João Paulo II mostrou-se certo, desde o início, de ter sido salvo pela intervenção extraordinária de Nossa Senhora de Fátima. A coincidência do dia do atentado com o aniver­sário da aparição em Fátima deixara-o fortemente impressio­nado. Já durante a sua estada no hospital pedira aos seus cola­boradores que lhe levassem livros e documentos sobre Fátima. Queria informar-se melhor e analisar profundamente a his­tória das aparições. Voltou a ler o texto do segredo que Nos­sa Senhora confiara à Lúcia, em 1917, e que ainda não fora tornado público. É provável que, nessas páginas, João Paulo II tenha encontrado alguma explicação para o atentado. É o que se deduz pelo fato de que, desde então, o seu interesse e a sua ligação a Fátima aumentaram significativamente, ao passo que nunca manifestou o desejo de saber quem tinha ordenado o atentado.

Entretanto, o autor do atentado fora detido. Os magistra­dos italianos e os serviços secretos de meio mundo tentavam des­cobrir quem teria estado por detrás de Ali Agca. Estavam certos de que o jovem turco não tinha agido sozinho. Mas quem lhe te­ria posto a arma na mão? Os turcos? Os búlgaros? Os soviéticos? Os americanos? Também no Vaticano se realizavam reuniões con­secutivas do mais alto nível, para tentar entender. O Papa, porém, nunca tentou saber nada. Ao cardeal polonês Andrzej Deskur, seu amigo, que lhe perguntou porque mostrava tal desinteresse por esse assunto, respondeu sem hesitações: "Foi o Maligno que realizou esse ato. E o Maligno pode conspirar por milhares de maneiras; não estou interessado em nenhuma delas".

Quatro dias após o atentado era domingo. O Papa quis falar, pelo microfone, e durante poucos segundos, com as pessoas que se mantinham vigilantes diante do hospital. Referindo-se a Ali Agca, disse: "Rezo pelo irmão que me atingiu, ao qual já per­doei do fundo do coração". Mais tarde também não se interessou pelo prosseguimento das investigações, nem quis seguir as várias fases do processo.

Viagem a Fátima

João Paulo II permaneceu no hospital durante vinte dias. Regressou então ao Vaticano, para o período de convalescença; pouco depois, porém, a 20 de junho, seria de novo internado, tendo ficado no hospital mais 55 dias.

No entanto, começou imediatamente a organizar uma via­gem a Fátima, para 13 de maio do ano seguinte, a fim de agrade­cer a Nossa Senhora a graça recebida. E foi aí, no decorrer dessa mesma viagem, que ele, com as suas atitudes, palavras e discursos oficiais (tanto pelo seu conteúdo, como pela paixão, força e amar­gura com que os pronunciou), deu a entender que tinha convic­ções precisas a respeito do atentado sofrido, dos acontecimentos de Fátima e também em relação ao famoso segredo.

Já antes do atentado João Paulo II tinha grande devoção a Nossa Senhora de Fátima. Como ele próprio mencionou, há algum tempo que pensava numa peregrinação àquele lugar.

A devoção a Nossa Senhora caracterizou toda a vida do pontífice. Em pequeno, com 10 anos de idade, tinha recebido o escapulário de Nossa Senhora do Carmo e, como Papa, recor­dando esse fato distante, dissera: "Ainda hoje o uso". Durante o curso de segundo grau, entrara para uma pequena organização paroquial chamada "Rosário vivo". A sua divisa mariana era Totus tuus, isto é, "Todo teu", "todo de Maria", e quis incluí-la também no próprio brasão pontifício.

Ao longo da sua existência, Karol Wojtyla teve muitas oportunidades de constatar a proteção constante e concreta da Virgem. Mas aquele fato específico, o atentado, naquele dia par­ticular, 13 de maio, deve ter sido para ele como que uma "pro­va", um "documento", que confirmou hipóteses e perspectivas até aquele momento não completamente convincentes. Poder-se-ia quase pôr a hipótese de que aquele atentado tivesse dado a en­tender a João Paulo II que o conteúdo daquele famoso segredo nunca revelado, mas que ele conhecia bem, devia ser levado mui­to a sério.

Como já dissemos, o segredo continua a ser desconhecido. Ao longo dos anos, porém, têm circulado vários boatos, várias ila­ções. Há quem diga que o segredo fala de catástrofes, de terríveis incidentes nucleares, de acontecimentos apocalípticos aterrado­res, e que, por isso, os Papas não teriam querido revelá-lo. Tais deduções, porém, sempre foram oficialmente desmentidas pelo Vaticano, mas também houve algumas confirmações autorizadas, revelando que, pelo menos na sua essência, poderiam ter algum fundamento.

Se examinarmos atentamente a peregrinação de João Paulo II a Fátima, a 13 de maio de 1982, ficamos com a nítida impres­são de que o Papa se dirigiu àquele Santuário convicto de que o mundo corria perigo e com o propósito de salvá-lo a todo custo. O Papa chegou a Fátima no dia 12 de maio, à noite. Falando à multidão reunida para a vigília noturna, afirmou: "Desejo fazer- -lhes uma confidência. Já há já muito tempo eu tinha a intenção de vir a Fátima. Desde que ocorreu o conhecido atentado na Pra­ça de São Pedro, há um ano, mal recuperei a consciência, o meu pensamento voltou-se imediatamente para este Santuário, para dirigir ao coração da Mãe do Céu o meu agradecimento por me ter livrado do perigo. Vi em tudo aquilo que estava acontecendo uma proteção especial de Nossa Senhora. E nessa coincidência - nos desígnios da Divina Providência não existem simples coin­cidências - vi também um apelo e, quem sabe, uma chamada de atenção para a mensagem que partiu daqui através dos três pastorzinhos. Hoje estou aqui para escutar de novo, em nome de toda a Igreja, a mensagem que ressoou há sessenta e cinco anos; estou aqui para escutá-la dos lábios da nossa Mãe comum, preo­cupada com a sorte dos seus filhos".

Quando fala em público, o Papa pesa sempre cada palavra. Naquele discurso recordava a própria vivência pessoal, o atenta­do, mas ligando-o imediatamente ao significado geral das apa rições de Fátima, à mensagem transmitida por Nossa Senhora à humanidade, através dos três pastorzinhos.

Com essas suas primeiras palavras ele exprimia já um "reco­nhecimento preciso" das aparições. Reconhecimento pessoal, mas que, provindo do pontífice, chefe da Igreja, tem um valor imenso. Em 1930, o bispo de Leiria, depois de ter examinado detidamente os acontecimentos de Fátima, afirmara que considerava "dignas de fé" as aparições, e permitira o culto a Nossa Senhora naquele lugar. Paulo VI, quando da sua viagem a Fátima, em 1967, tinha falado de "culto de Nossa Senhora nascido em Fátima". Karol Wojtyla, pela primeira vez, realçava sobretudo a certeza de que naquelas aparições estivera presente Nossa Senhora, e a certeza de que fora ela, em pes­soa, a transmitir a mensagem às três crianças.

Nessa noite o Papa manteve-se rezando, em silêncio, diante da imagem de Nossa Senhora, no lugar das aparições, durante quarenta minutos. Em seguida participou da procissão noturna, com velas acesas. Uma enorme multidão acompanhava-o. Um milhão de pessoas, vindas de toda parte, algumas descalças, com os pés ensangüentados, completamente exaustas, encharcadas pela chuva, cantando antigas orações. "Vim como a maior parte de vocês", disse o Papa, "com o terço na mão, o nome de Maria nos lábios e o cântico da misericórdia de Deus no coração: tam­bém por mim ele tem feito grandes coisas."

O encontro com Irmã Lúcia

Na manhã do dia 13, antes do início das cerimônias no Santuário, o Papa quis ter um encontro com a Irmã Lúcia. Em 1967, por ocasião da visita de Paulo VI a Fátima, a vidente pedira para ser recebida pelo Papa, mas Montini aconselhara-a a dirigir- -se ao próprio bispo. João Paulo II recebeu-a, falou com ela a sós, sem testemunhas, durante vinte minutos. Depois manifestou o desejo de que ela permanecesse perto dele e pediu que lhe tiras­sem várias fotografias a seu lado. Trata-se de mais um gesto de reconhecimento, mostrando que queria dar grande importância a Lúcia e a quanto ela dissera e escrevera ao longo dos anos; era quase como se o Papa agora, após o atentado, estivesse finalmente em condições de conhecer o seu valor autêntico.

Depois, durante a missa, seguida pela imensa multidão reu­nida na grande esplanada, o Papa abriu seu coração, libertando todos aqueles pensamentos e preocupações que lhe ocupavam o espírito. Eram pensamentos e preocupações gravíssimos.

Falou com ressonâncias apocalípticas, como nunca fizera. Mencionou imensos perigos iminentes. Dirigiu-se a Nossa Se­nhora, rezando-lhe e suplicando-lhe com uma insistência quase desesperada. Exprimiu a sua dor diante do crescente desregra- mento moral, causa primeira do afastamento do ser humano de Deus: "Como não havemos de nos sentir atemorizados ante o alastramento do secularismo e do permissivismo, que tão gra­vemente vão minando os valores fundamentais da norma moral cristã?".

Em seguida, porém, querendo integrar-se completamente na multidão, desejando apresentar-se a Deus e a Nossa Senhora, numa hora tão grave, apenas como homem, como um dos muitos homens daquela humanidade confusa e dispersa, deixou o seu modo normal de falar, ou seja, renunciou a fazer análises da so­ ciedade e da situação do mundo como observador e como pastor, e continuou o seu discurso em forma de oração.

"Acolhe, ó Mãe de Cristo, este grito cheio do sofrimento de todos os homens. O sucessor de Pedro apresenta-se aqui também como testemunha dos imensos sofrimentos do homem, como testemunha das ameaças quase apocalípticas que pesam sobre as nações e sobre a humanidade."

Falou de "ameaças apocalípticas". Usou precisamente o ter­mo que se encontra nas cartas de Lúcia e nas "ilações" sobre o conteúdo do famoso "segredo". Nossa Senhora - repetia Lúcia há alguns anos - pedira que a Igreja fizesse um ato de consagração da Rússia ao seu Imaculado Coração. Pelas razões já recordadas, essa consagração nunca foi feita. A Igreja universal não estava convicta de que esse pedido pudesse ser atendido e, na sua infinita prudên­cia, não o levara em consideração.

João Paulo II, porém, naquela sua peregrinação de 1982, conhecia, como é óbvio, coisas que outros não sabiam, e que, antes, nem sequer ele conhecia. Por isso, até o pedido da con­sagração da Rússia tomou em consideração. E, ainda que não pudesse agir em nome de todos os bispos, aos quais ainda não tivera tempo de consultar, quis fazê-la, embora de forma indire­ta, inserindo-a numa consagração global do mundo, sem nunca nomear a Rússia, mas usando uma fórmula que dava bem a en­tender a quem estava referindo-se.

Num tom carregado de grande amargura, rezou a Nossa Senhora pelo "mundo do segundo milênio que estava prestes a terminar, o mundo contemporâneo, o nosso mundo de hoje".
Depois pronunciou a fórmula explícita de consagração: "Abraça, com amor de Mãe e de Serva do Senhor este nosso mundo huma­no, que te confiamos e consagramos, cheios de inquietação pela sorte terrena e eterna dos homens e dos povos. De modo espe­cial te confiamos e consagramos aqueles homens e aquelas nações que desta entrega e desta consagração têm particular necessidade. Ajuda-nos a vencer a ameaça do mal, que com tanta facilidade se radica nos corações dos mesmos homens de hoje, e cujos efeitos incomensuráveis já pesam sobre o nosso mundo contemporâneo e parecem fechar os caminhos do futuro".

"O mal parece fechar os caminhos do futuro!" Expressão terrível, que espelha uma realidade verdadeiramente apocalíptica. João Paulo II, homem otimista e aguerrido por natureza, nunca teria pronunciado essas palavras se não tivesse tido uma visão cla­ra do imenso perigo.

"Da fome e da guerra, livra-nos!" - gritou ainda o Papa, prosseguindo com a sua intensa súplica à Virgem. "Da guerra nu­clear, de uma autodestruição incalculável, de todo tipo de guerra, livra-nos! Dos pecados contra a vida do homem, desde os primei­ros momentos, livra-nos! De todo tipo de injustiça na vida social, nacional e internacional, livra-nos! Da tentativa de enterrar no co­ração dos homens a própria verdade de Deus, livra-nos! Acolhe, ó Mãe de Cristo, este grito carregado do sofrimento de todos os homens, carregado do sofrimento de sociedades inteiras."

"Como se apresenta hoje, diante da Mãe do Filho de Deus, no seu Santuário de Fátima, João Paulo II, sucessor de Pedro, continuador da obra de Pio, de João e de Paulo, e herdeiro parli cular do Concilio Vaticano II? Apresenta-se lendo de novo, com grande emoção, aquele apelo materno à penitência e à conversão: aquele apelo ardente do coração de Maria, que ressoou em Fá­tima há sessenta e cinco anos. Sim, volta a fazê-lo com o cora­ção transbordante de emoção, ao ver quantos homens e quantas sociedades, quantos cristãos se desviaram, seguindo na direção oposta à indicada pela mensagem de Fátima. O pecado conquis­tou um direito de cidadania fortíssimo no mundo, e a negação de Deus espalhou-se por toda parte, através das ideologias, conceitos e programas humanos."

Escolhido para uma missão

Estávamos em 1982. Ainda estava longe a queda do muro de Berlim, a queda do comunismo. Podemos saber, de forma concreta e indiscutível, que essa ideologia, como fora previsto por Nossa Senhora em 1917, semeara os seus erros no mundo e tinha levado nações inteiras à destruição: a ela foram sacrificadas mais de 150 milhões de pessoas. Ainda estávamos longe de saber que, após a ideologia do marxismo ateu, outras ideologias sem Deus ocupariam o seu lugar para continuar a destruição. Era necessário ajudar os homens a entender, a procurar a verdade e a travar a sua corrida para a ruína.

* * *

João Paulo II não é pessoa que se satisfaça com palavras. É lícito supor que ele, naquele dia, naquela peregrinação, tenha oferecido a si mesmo pela salvação da humanidade. Francisco e Jacinta eram crianças, mas sofreram como mártires. Nossa Se­ nhora tinha-lhes pedido orações e sacrifícios pela conversão dos pecadores, e eles tinham-se oferecido. Tinham-se unido ao sofri­mento de Cristo. João Paulo II fez como eles.

Se analisarmos toda a sua vida, teremos a intuição de que ele fora escolhido, desde o início, para uma missão extraordiná­ria. O seu próprio nascimento ocorreu em circunstâncias espe­ciais. A mãe, Emilia Kaczorowska, tinha uma saúde muito frágil. Em 1906, aos 23 anos, fora mãe de um menino, Edmundo. A gravidez, porém, fora difícil, e os médicos tinham-na proibido de ter mais filhos. No outono de 1919, quando já contava 35 anos, apercebeu-se que estava grávida. Os médicos aconselharam-na a abortar. Não lhes deu ouvidos. Nasceu Karol, um rapazinho sau­dável e robusto, mas a mãe sofreu as graves conseqüências pre­vistas pelos médicos. Viveu ainda nove anos, no meio de grandes sofrimentos e dificuldades.

Aos 10 anos, Karol fora à casa de um amigo da sua idade, para brincar com ele. Este quis mostrar-lhe a espingarda do pai. Pegou na arma e, julgando que estava descarregada, apontou-a a Karol, premindo o gatilho. Uma detonação rasgou o ar. Acor­reram os pais do rapaz. Karol, pálido e amedrontado, tinha-se encostado à parede da sala. Atrás dele, o reboco da parede fora desfeito pelos chumbos da espingarda, mas nem um sequer toca­ra no rosto da criança.

Em 1944, Karol Wojtyla tinha 24 anos. A Polônia fora in­vadida pelos nazistas. Ele trabalhava como operário numa fábri­ca. Na tarde do dia 29 de fevereiro, quando regressava para casa após dois turnos de trabalho consecutivo, foi atropelado por um caminhão militar que o atirou numa vala. O caminhão não pa­rou. O acidente foi visto por uma senhora, que acorreu ao local. O jovem, que tinha uma grande ferida na cabeça, não dava sinais de vida, mas a senhora quis, mesmo assim, informar um oficial nazista, que teve compaixão e mandou levar o ferido para o hos­pital. Wojtyla ficou dois dias em coma e foi salvo por milagre. Daquela senhora nunca mais ninguém teve notícias.

Passados seis meses, em Cracóvia, na seqüência de uma su- blevação popular, as tropas nazistas fizeram uma busca por toda a cidade. Foram detidos oito mil jovens e depois enviados para os campos de concentração. Wojtyla estava no seu apartamento. Ouvia os gritos dos presos, bem como os gritos e os tiros dos na­zistas. Os soldados rebuscaram todos os apartamentos do prédio em que ele vivia. Ouviu-os deterem-se no apartamento do lado, no do andar de baixo, no do andar de cima, mas não entraram no seu: mais uma vez fora salvo por milagre.

Em 1946, antes de ser ordenado padre, pediu para entrar para os Carmelitas. Se tivesse seguido essa via, é muito provável que nunca tivesse chegado a ser Papa. O arcebispo de Cracó­via, porém, opôs-se. Quis que Wojtyla se fizesse padre diocesano. Dois anos após a ordenação, Karol fez novo pedido para entrar para os Carmelitas e recebeu nova recusa. Ao superior da ordem religiosa, que apoiava o pedido, o arcebispo respondeu: "Karol Wojtyla é muito necessário para a diocese de Cracóvia e, no futu­ro, será necessário a toda a Igreja".

O Papa Wojtyla amadureceu a sua vocação no sofrimento e na solidão. Aos 9 anos de idade perdeu a mãe. Aos 12, o irmão mais velho. Aos 21, o pai. Ficou só no mundo. Abandonou-se completamente a Nossa Senhora. Foi então que escolheu como divisa: Totus tuus, a consagração total a Maria.

Na Polônia, foi o homem que enfrentou com coragem te­merária o comunismo. .Afastou milhares de jovens da influên­cia do regime ateu. Sustentou a Igreja em silêncio. Tornando-se Papa, intensificou a luta, transformando-se em um dos maiores artífices da queda do marxismo no mundo.

O Papa do "segredo"

"E, por fim, a Rússia converter-se-á", dissera Nossa Senho­ra em Fátima, em 1917. Não é fantasia pensar que João Paulo II, naquele dia 13 de maio de 1982, em Fátima, teria oferecido a si mesmo para que tudo isto pudesse acontecer. Talvez um dia venhamos a saber que o homem da virada, o profeta que arras­tou grande parte da humanidade para novas formas de pensar e refletir, que mudaram o seu destino, foi ele. Retomando as suas próprias palavras, "nos desígnios da Providência não há simples coincidências".

Na terceira parte das suas memórias, Lúcia conta o seguin­te: "Um dia fomos passar as horas da sesta junto ao poço dos meus pais. Jacinta sentou-se sobre a laje do poço. Francisco foi comigo buscar mel silvestre, entre os espinhos de um arbusto que havia junto de uma escarpa próxima. Passado algum tempo, Ja­cinta me chama. 'Você viu o Santo Padre?' 'Não.' 'Não sei como foi, mas eu vi o Santo Padre numa casa muito grande, de joelhos, diante de uma mesa, com o rosto nas mãos, chorando. Fora dessa casa havia muita gente: alguns atiravam pedras, outros prague­javam e diziam muitos palavrões. Pobre Santo Padre! Temos de rezar muito por ele...'."

"Noutra ocasião, fomos à gruta do Cabeço. Tendo chegado lá, prostramo-nos por terra para rezar as orações do Anjo. Pouco depois, Jacinta levanta-se e me chama: 'Você não vê tantos cami­nhos, tantos atalhos e tantos campos cheios de gente que chora de fome e não tem nada para comer? E o Santo Padre numa igreja, diante do Imaculado Coração de Maria, em oração? E tanta gente rezando com ele?'. Alguns dias mais tarde, perguntou-me: 'Posso dizer que vi o Santo Padre e toda aquela gente?' 'Não! Você não vê que faz parte do segredo? Que assim o descobririam logo?' 'Está bem, então não digo nada ."

Estes dois episódios, como, aliás, também outras passagens das palavras ditas por Nossa Senhora às três crianças, em Fátima, revelam que há "um" Papa ligado ao "segredo". Pensava-se que a visão de Jacinta se referia a Pio XII ou a Paulo VI. Contudo, ao analisar a vida de João Paulo II, o atentado sofrido na Praça de São Pedro, o seu comportamento particular dos anos seguintes, somos levados a concluir que o Papa daquelas visões era João Paulo II.

Em dezembro de 1983, dois anos e meio após o atentado, João Paulo II quis ir à prisão para se encontrar com o homem que tentara matá-lo. Ali Agca perguntou, assombrado, ao Papa: "Por que é que o senhor não morreu? Eu sei que apontei na direção certa. Sei que o projétil era devastador e mortal. Então, por que não morreu? O que é isso que dizem de Fátima?".

O Papa respondeu-lhe. Mas o que ele disse, ninguém sabe. Ali Agca, porém, falando logo a seguir aos jornalistas, afirmou: "O Papa sabe tudo". E mais tarde, durante o processo, pediu que o Vaticano tornasse público o segredo de Fátima, dando a entender que no segredo houvesse elementos que explicavam o atentado.

Regresso a Fátima

A 13 de maio de 1991, João Paulo II regressou a Fátima.

O mundo tinha mudado. Tinha havido muitos aconteci­mentos importantes, entre os quais a queda do muro de Berlim, a queda dos regimes comunistas nos países do leste europeu, a visi­ta do líder soviético Mikhail Gorbachev ao Vaticano. Em 1984 o Papa também fizera, de modo oficial, e em nome de toda a Igreja, a consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria.

Nos discursos do Papa Wojtyla, nessa segunda viagem, já não se detectam tons apocalípticos. As suas palavras denunciam situações graves e desregramentos morais, incitando a mudanças necessárias, mas são marcadas pela serenidade e por uma grande esperança.

"Diante das perturbações que agitam aqui e ali os diversos continentes, diante do ritmo premente da subversão das coisas e dos valores, que vão minando as certezas e a própria vida das nações, faço minha a esperança de Santo Agostinho, diante do as­salto dos vândalos contra a cidade de Hipona, quando um grupo alarmado de cristãos da sua Igreja o foi procurar: 'Não tenham medo, queridos filhos' - tranquilizou-os o santo bispo -, 'nfio é um mundo velho que está chegando ao fim, mas um mundo novo que está começando'. Uma nova aurora parece estar surgin­do no céu da história, convidando os cristãos a serem luz e sal de um mundo que tem enorme necessidade de Cristo, redentor do homem."

O perigo apocalíptico para a humanidade já teria passado? Não sabemos. Uma coisa é certa: sob o impulso espiritual de João Paulo II e de milhões de pessoas intimamente ligadas a ele, que com ele tinham rezado e sofrido, o mundo começara, sem dúvida nenhuma, a mudar.

"De Fátima" - disse o Papa, ao encerrar aquela sua via­gem - "parece espalhar-se uma luz consoladora, transbordante de esperança, sobre os fatos que caracterizam o fim deste segun­do milênio. Os acontecimentos, que marcaram o ano de 1989 e os primeiros meses de 1990 provocaram uma verdadeira virada histórica deste difícil século XX. Abre-se agora uma perspectiva inédita no caminho das nações."

Fátima continua. A história iniciada na Cova da Iria, em 1917, não chegou ao fim. Com a beatificação de Francisco e de Jacinta, inserida no Grande Jubileu do 2000, João Paulo II pa­rece ter querido chamar a atenção para aqueles acontecimentos distantes, mostrando como eles continuam plenamente atuais. O novo milênio abre-se sob o signo de Fátima, sob o nome daquela Mãe Comum a quem Karol Wojtyla já, por várias vezes, confiou o mundo".