terça-feira, 15 de agosto de 2017

OS GOVERNOS CLINTON, BUSH E OBAMA SOB A ÓTICA DAS FINANÇAS PÚBLICAS FEDERAIS DOS EUA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA



Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama governaram 8 anos cada um. Todos eles foram reeleitos. Clinton esteve à frente da presidência americana de 1993 a 2001; Bush, de 2001 a 2009 e Obama, de 2009 a 2017. Ao longo de seus respectivos períodos de governo, cada um teve suas oportunidades e dificuldades, ora provenientes do próprio contexto político-econômico americano, ora originárias do resto do mundo.

Existem inúmeros critérios para avaliarmos se um governo foi bom ou ruim. A evolução ou involução do Produto Interno Bruto é um dos mais comuns. Também a análise da taxa de desemprego nos dará uma noção acerca da forma de governar de um mandatário. Todavia, qualquer que seja o critério escolhido, certamente que haverá vantagens e desvantagens. Todas elas deverão ser levadas em consideração para que se chegue a um diagnóstico o mais próximo possível da realidade.

Na presente análise, levamos em consideração o comportamento das receitas e despesas correntes do governo federal americano ao longo de cada mandato. A partir dos dados colhidos, esboçamos o cenário existente no início e no final das respectivas administrações.  

Compõem as receitas correntes americanas, dentre outras, as receitas de impostos, as contribuições para a seguridade social americana, as receitas de rendimentos de ativos e as receitas de transferências de empresas e de pessoas. Já as despesas correntes dos EUA é integrada, basicamente, pelos gastos com a folha de pagamento, com o consumo de capital fixo,  com a aquisição de insumos intermediários, com o pagamento de subsídios e de transferências correntes e com o pagamento de juros a pessoas.     

Governo de Bill Clinton: Clinton assumiu a Casa Branca em 20 de janeiro de 1993. Como é sabido, no governo Clinton os EUA alcançaram uma grande prosperidade econômica. O país voltou a crescer fortemente e, com ele, boa parte dos países do globo; já que o mercado americano influencia, direta e indiretamente, bilhões de pessoas em todo o mundo.

Os dois quadros a seguir apresentam o comportamento das receitas e despesas correntes federais americanas no governo Clinton. No Quadro I está descrito o volume das receitas e despesas realizadas em seu primeiro mandato presidencial, assim como o respectivo saldo. O Quadro II se refere ao segundo mandato. Os valores foram alocados por  trimestre (em bilhões de dólares).


QUADRO I – Primeiro Mandato de Bill Clinton



QUADRO II – Segundo Mandato de Bill Clinton

 


Não é preciso muito esforço para constatarmos que o governo Clinton foi positivo na gestão das finanças governamentais federais americanas. Aliás, extremamente positivo. Ele reverteu um déficit de 388,6 milhões de dólares no primeiro trimestre de seu primeiro mandato para entregar as contas públicas a  George W. Bush com superávit de 138,7 milhões de dólares. Essa reviravolta, contudo, não foi tarefa fácil. Foram consumidos 21 trimestres – de um total de 32 trimestres – para que as finanças ficassem no azul. Mas o grande mérito do governo Clinton foi justamente a regularidade na reversão da situação deficitária. Desde que ele assumiu a Casa Branca, a condição desfavorável das contas públicas foi paulatinamente sendo eliminada. Raras vezes houve um retrocesso, conforme pode-se extrair dos dois quadros. Ou seja, a política adotada por Bill Clinton no saneamento das contas pública foi extremamente combativa.    

Governo de George W. Bush: o governo de George W. Bush fez exatamente o inverso de seu antecessor. Precisou apenas de três trimestres para deixar as finanças públicas federais americanas no vermelho.  Aliás, o déficit crescente governamental foi uma característica marcante do governo Bush ao longo de seus dois mandatos, conforme pode ser visto nos Quadros I e II.

É evidente que esse comportamento sofreu forte influência da política militar externa por ele adotada, principalmente no Oriente Médio. Talvez por isso em vários momentos de seu governo as taxas de reprovação alcançaram os números mais baixos da história norte-americana.

QUADRO I – Primeiro Mandato de George Bush





QUADRO II – Segundo Mandato de George Bush





Governo de Barack Obama: quando Barack Obama chegou à Casa Branca, o último trimestre do governo Bush acusava um déficit de 921,7 milhões de dólares nas contas públicas federais. Situação nada favorável. Não bastasse isso, Obama iniciava seu governo num contexto econômico-financeiro extremamente desfavorável. A economia americana se via às voltas com uma grande crise financeira que acabou contagiando o resto do mundo e quase que paralisando os mercados das economias avançadas. Todo esse conjunto de fatos fez com que a gestão de Barack Obama amargasse déficits sucessivos nas finanças públicas governamentais federais, conforme se extrai nos Quadros I e II.  


QUADRO I – Primeiro Mandato de Barack Obama




QUADRO II – Segundo Mandato de Barack Obama



Lentamente, contudo, a economia “foi entrando nos trilhos”. Números como a taxa de desemprego e o PIB americano começaram a dar sinais de melhoras no segundo mandato de Obama, o que favoreceu a queda gradativa da situação deficitária. Aliás, é importante registrar uma queda significativa ocorrida entre o último trimestre de seu primeiro mandato e o primeiro trimestre de seu segundo mandato. A queda foi de 23,5%, passando de 1.277,3 bilhões de dólares para 976 milhões de dólares.

A meu ver, Obama fez o que pode para soerguer a economia americana. Nos seus dois mandatos, ele enfrentou inúmeros fatores adversos, mas conseguiu imprimir um ritmo crescente de melhora e estabilidade nas finanças públicas governamentais federais que se refletiu especialmente em seu segundo mandato.

 





segunda-feira, 14 de agosto de 2017

OS NÚMEROS DO ORÇAMENTO FEDERAL DOS EUA PARA 2018

Diferentemente do Brasil cujo exercício financeiro coincide com o ano civil (art. 34 da Lei nº 4.320/64), o ano fiscal federal americano começa no mês de outubro de cada ano e se estende até setembro do ano seguinte. É nesse período que o governo dos EUA administra as suas receitas e despesas. 

Dada a sua magnitude, os números impressionam, pois envolvem cifras trilionárias. Vejamos em linhas gerais como está composto a proposta orçamentária para 2018.  

As receitas estão estimadas em US$ 3,654 trilhões de dólares (ou 11,656 trilhões de reais). Desse total, 50% são provenientes de receitas de impostos; 33% decorrem  de receitas ligadas à seguridade social, às que financiam o sistema de saúde pública dos EUA (Medicare) e outras receitas originárias da folha de pagamento; 10% tem origem na tributação das rendas das empresas; 4% provém de impostos indiretos incidentes sobre o consumo e 1% corresponde a impostos sobre transmissão de heranças causa mortis.

A título de curiosidade, estudos apontam que o contribuinte americano trabalhe até abril de cada ano para pagar todas as receitas federais coletadas.

É importante destacar que o sistema de saúde pública americano não funciona como o brasileiro. Lá, ao contrário do Brasil, não existe um sistema de saúde universal. O Medicare americano corresponde a um sistema de seguro de saúde destinado a atender pessoas de 65 anos ou mais de idade, contribuírem para o sistema por pelo menos 10 anos e habitem permanentemente nos EUA. O Medicare foi criado em 1965 pelo presidente Lyndon Johnson. Pessoas com menos de 65 anos de idade e que não se enquadre em nenhum dos outros requisitos podem se beneficiar do sistema, mas desde que sejam portadores de alguma doença grave como o câncer e doenças renais crônicas. 

Além do Medicare, há também um segundo programa governamental relacionado à seguridade social: o Medicaid. Esse programa fornece também serviços médicos e de saúde para certos indivíduos. Assim como o Medicare, o Medicaid é administrado pelo Departamento de Saúde dos EUA, equivalente ao nosso Ministério da Saúde. Em relação ao Medicaid, entretanto, cada sua autonomia, cada Estado americano tem o poder para: (i) fixar os seus próprios critérios de elegibilidade, isto é, quem irá ser atendido pelo programa; (ii) determina o tipo, a quantidade, a duração e o alcance dos serviços; (iii) fixa a taxa de pagamento dos serviços e (iv) gerencia o seu próprio programa Medicaid. Ou seja, embora tenha raízes federais o programa é operado na base, pelos Estados.

Ambos os programas atendem em torno de 80 milhões de pessoas, isto é, apenas 24,7 % da população americana, estimada em 323 milhões em 2016. O atendimento, portanto, não é universal como é o Sistema Único de Saúde brasileiro.

Quanto às despesas governamentais, há previsão de que o governo federal americano terá de assumir gastos de US$ 4,094 trilhões em 2018 (ou 13,059 bilhões de reais). Ou seja, o orçamento é deficitário em 0,44 bilhões de dólares, ou, 1,403 trilhões de reais. Orçamentos deficitários nos EUA são uma constante. Eles incrementam a dívida pública americana que na atualidade atinge a US$ 20 trilhões (63,8 trilhões de reais).

Basicamente, os gastos para 2018 concentram-se em três grandes rubricas: despesas obrigatórias (US$ 2.535 trilhões), despesas discricionárias (US$ 1.244 trilhões) e despesas com os juros da dívida pública americana (US$ 315 bilhões). Mais de 62% desses custos decorrem  de benefícios obrigatórios, tais como, seguridade social (US$ 1,005 trilhões), Medicare (US$ 582 bilhões) e Medicaid (US$ 404 bilhões). Os restantes 38% correspondem a gastos discricionários, que podem ser alterados pelo Congresso americano. 

É importante destacar que as taxas cobradas para financiar o Medicare não são  suficientes para cobrir os custos do programa, isto é, o programa é deficitário. A diferença é coberta por receitas provenientes de outras fontes. O Medicaid, ao contrário, é autossuficiente.

Dentre as despesas discricionárias, mais da metade vão para gastos militares (US$ 824,7 bilhões). A maior fatia financia o departamento de defesa americano (US$ 574,5 bilhões). As demais são destinadas a programas domésticos sendo os maiores os vinculados à saúde, serviços humanos, justiça, educação e desenvolvimento urbano. 

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

QUANTO VALE UM MANDATO PRESIDENCIAL?




(*)  Artigo publicado na Coluna Gestão do Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)


Passado o fuzuê em torno do Excelentíssimo Senhor presidente da República, fiquei cá pensando com meus botões: quanto vale um mandato presidencial? Melhor: quanto vale um pedaço de mandato presidencial?

O Poder é algo envolvente. É tão envolvente que muitos dão a própria vida por ele. E não somente a própria vida. Também a dignidade, o respeito, o apreço, a urbanidade, a honra, o caráter e a ética. Vale tudo pelo Poder.

No plano do razoável, quando trocamos uma coisa por outra é porque há uma certa equivalência entre ambas. Equivalência que pode ser traduzida por valores, monetários ou não. Alguém já disse um dia que uma venda não acontece por acaso. Envolve muitas variáveis. As disposições de quem compra e de quem vende devem coincidir. Do contrário, o negócio não se realiza. É como uma corrente elétrica. A presença de um interruptor já inibe a transmissão da energia. A regra é a seguinte: quem dá em troca sente-se satisfeito com o que recebe em contraprestação. Nutrido por seus valores, cada negociador, a seu modo, apazigua-se. O negócio prospera, evolui e ponto final.  

Os fatos envolvendo o presidente Temer deixaram marcas. Impregnaram-se indelevelmente na História do País. Muitos vão ficar perpetuamente guardados na memória do povo brasileiro. Outros irão submergindo aos poucos até desaparecer por completo.   

Desde a visita de Joesley Batista ao Palácio do Jaburu a política brasileira não é a mesma. É verdade que ela vem sacudindo o País já há algum tempo.  Delações e ligações telefônicas foram o estopim de muita coisa. Mas agora era a autoridade máxima de um País que ganhava as lentes da mídia nacional. Se já tínhamos uma certa ojeriza por nossos representantes políticos, parece que ela ficou mais evidente, mais palpável, mais viva na nossa retina.  

Veio a votação na influente Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Nunca as diferenças entre política e politicalha ficaram tão nitidamente definidas. O próprio Ruy Barbosa, se vivo estivesse, talvez duvidasse do que presenciasse. Do alto de sua estatura intelectual proclamava em alto e bom som que a política “é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis”. Consiste ela “no exercício normal das forças de uma nação consciente e senhora de si mesma”. Evidentemente que nada disso se viu na CCJ.

Com mão de ferro e à maneira de um implacável rolo compressor, o  Governo usou todas as suas fichas. Jogou com todas as suas cartas. Não reconheceu limites. Estendeu seus braços até onde achava que podia estender.

Em rede nacional, presenciamos um presidente sedento pelo Poder. Um presidente que pouco ou nada se importou com a opinião pública que, boquiaberta, assistia um governante escolher seus próprios juízes. Tivemos uma aula (explícita) de como alterar resultados. Mais tarde, no Plenário da Câmara dos Deputados, não foi diferente. Os cofres públicos é que o digam. Foram cifras bilionárias a serviço do primeiro presidente denunciado no curso do mandato.

Ministros temporariamente exonerados para ajudar na tropa de choque. O que aprendemos na academia acerca da finalidade do ato administrativo foi jogado no lixo. Não contou. Foi descartado como descartamos  tubos de pastas de dente.   

Nossos representantes parlamentares deram as costas para o seu eleitorado. Não se importaram nem um pouco com 94% deles que reprovaram o atual mandatário presidencial. Foram insensíveis aos apelos e aos reclamos populares.  

Quanto vale mesmo um pedaço de mandato presidencial?

Alguns defendem que a permanência do presidente foi melhor para o País, pois ele estava colocando a economia nos eixos. Mas não foi justamente para isso que ele assumiu a Presidência? Não foi para cuidar dos interesses nacionais? Então, a estabilidade econômica de uma Nação pode servir como moeda de troca? Evidente que não. Eu não aceitaria ser governado por um governo que dialoga com empresários cuja reputação e histórico se entrelaçam com o crime, em troca de um controle inflacionário.  

Acredito que o dispositivo constitucional que condicionou o julgamento de um presidente da República à autorização da Câmara dos Deputados não teve por objetivo blindá-lo de processos investigativos. A prerrogativa visou oferecer ao Órgão Legislativo a oportunidade de refletir sobre o teor da acusação e, a partir daí, decidir pela autorização ou não. Não deveria haver interferência externa nesse processo cognitivo. Mas tal não se viu. Explicitamente, o resultado foi influenciado. Me veio à memória agora a hipótese de anulabilidade do negócio jurídico no plano civil quando algumas variáveis concorrem para traçar um cenário meio que turvo da realidade que suportou a avença (art. 171 do Código Civil).  Obviamente que a regra civil não se aplica ao caso. Mas isso não descarta a possibilidade de fazermos alguns paralelos.   

Ao que tudo indica, as regras do jogo político são muito diversas das demais. Parece que são mundos totalmente separados. O que é razoável e prudente a um nada tem a ver com o outro. E nos acostumamos a raciocinar prudentemente diante de algumas situações. Achamos que a causa e o efeito serão os mesmos em qualquer ambiente. Não no terreno da política. Na política, tudo vale, tudo é possível. Até o bizarro.

Penso que em casos tais, dada a gravidade dos fatos, caberia à população decidir se autorizaria ou não o processo contra o presidente da República no Judiciário. Afinal, é ela a fonte originária do Poder, conforme traduz a Magna Carta. Não saberíamos exatamente qual seria o desfecho de tal medida, mas certamente teríamos mais instrumentos para trabalhar um resultado o mais próximo possível dos anseios populares.

Fiquemos com o magistério do saudoso Ruy Barbosa cujo descanso deve ter estremecido com os discursos inflamados de nossos representantes na Câmara dos Deputados: “a politicalha é a indústria de explorar  o benefício de interesses pessoais”.    

ALIPIO REIS FIRMO FILHO
Conselheiro Substituto – TCE/AM