domingo, 23 de outubro de 2011

REFLEXÕES ACERCA DO PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO DA DESPESA PÚBLICA

A Liquidação da Despesa corresponde ao segundo estágio de execução da despesa pública. Ela é tratada no Volume I do Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público[1].  O Manual invoca o conteúdo do caput do art. 63 da Lei n° 4.320/64 para caracterizá-la afirmando que a liquidação consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. Também reproduz os parágrafos primeiro e segundo daquele dispositivo, nos quais estão descritas, respectivamente, a finalidade e os documentos que servirão de base ao processo de avaliação, conforme abaixo:

§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:

I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III – a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação

§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:

I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;
II - a nota de empenho;
III – os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço”   

Nada obstante, é preciso deixar claro que o processo de liquidação das despesas públicas comporta três fases distintas. São elas:

a) a fase material;
b) a fase cognitiva;
c) a fase de aceite.

 A primeira delas – etapa material – dá início a todo o processo de liquidação da despesa. Corresponde ao momento em que o fornecedor (do bem, do serviço ou o executor da obra) entrega à Administração o que foi por ela solicitado.  Esta fase é chamada de fase material exatamente porque todo o processo é percebido pelos sentidos (especialmente o tato e a visão).

Na fase material, a Administração ocupa uma posição passiva concentrando-se tudo o mais nas mãos do fornecedor. Ela apenas recebe o bem, o serviço (ou parcela deste) ou a obra (ou sua parcela). A partir de então, a unidade administrativa recebedora passa a ser responsável pela guarda e conservação daquilo que lhe foi entregue, mas não poderá usá-lo na prestação dos serviços públicos uma vez que ainda restam duas fases para que todo o processo de  liquidação da despesa se aperfeiçoe em toda a sua integralidade (fases cognitiva e de aceite).

A Lei n. 8.666/93 distingue duas modalidades de recebimentos: o provisório e o defintivo[2]; fixando, ainda, hipóteses em que o recebimento provisório poderá ser dispensado[3]. Desta feita:

- caso a Admnistração tenha solicitado 100 (cem computadores) de seu fornecedor a fase material corresponderá à entrega dos computadores solicitados;

- na hipótese de a Administração haver contratado a limpeza de um terreno de sua propriedade, a fase material será manifestada pela entrega do terreno limpo por parte do prestador do serviço;

- se, contudo, a demanda da Administração for pela construção de uma quadra poliespotiva, a fase material realizar-se-á por meio da entrega da mesma. 

Mas não fará sentido algum se os computadores, o terreno limpo e a quadra construída não possam ser colocados à disposição do serviço público, isto é, não possam ser usados nas finalidades previstas. Para tanto, urge que, imeditamente após cada entrega, inicie-se a fase cognitiva, esta, sim, de inteira responsabilidade da própria Administração.

A fase cognitiva é marcada pelo momento em que a Administração debruça-se sobre o bem, serviço ou obra realizada no sentido de reconhecer ou apurar (§ 1° do art. 63 da Lei n. 4.320/64):

·         a origem do que se deve pagar;
·         a importância exata a pagar; e
·         o beneficiário da importância a ser paga.

Para tanto, a Administração analisará cuidadosamente toda a gama de documentos que suportaram o que lhe fora entregue (contrato, ajuste ou acordo respecitivo; a nota de empenho; os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço), consoante dispõe o § 1° do art. 63 da Lei n. 4.320/64.

A Lei n. 8.666/93 faz alusão a esta fase em algumas oportunidades:

“Art. 73.  Executado o contrato, o seu objeto será recebido:
I - em se tratando de obras e serviços:
a) provisoriamente (…);
b) definitivamente, por servidor ou comissão designada pela autoridade competente, mediante termo circunstanciado, assinado pelas partes, após o decurso do prazo de observação, ou vistoria que comprove a adequação do objeto aos termos contratuais, observado o disposto no art. 69 desta Lei.
II - em se tratando de compras ou de locação de equipamentos:
a) provisoriamente, para efeito de posterior verificação da conformidade do material com a especificação;
b) definitivamente, após a verificação da qualidade e quantidade do material e conseqüente aceitação.

É na fase cognitiva que a Administração convence-se que o que lhe foi entregue,  guarda inteira conformidade com aquilo que demandou. Nesta fase há um intenso trabalho de ordem intelectual por parte da contratante, a fim de identificar vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de materiais empregados (art. 69 da Lei n. 8.666/93). Daí, a propósito, o seu nome[4]. Na etapa cognitiva a Administração adotará um comportamento preponderantemente ativo, em contraste com a fase manterial na qual, conforme dissemos, sua passividade será a tônica principal.

Essencialmente, a Administração verificará:

a) o cumprimento das normas sobre licitação ou documento formalizando a sua dispensa, ou comprovando a sua inexigibilidade;
b) a conformidade com o contrato, convênio, acordo ou ajuste, se houver; e
c) o conteúdo da nota de empenho avaliando-o com o da nota fiscal ou documento equivalente.

Identificada alguma falha que represente algum óbice, por mínimo que seja, ao reconhecimento do dever de pagar, o fornecedor deverá ser imediatamente contatato, a fim de reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato (art. 69 da Lei n. 8.666/93). Se, ao contrário, o bem, o serviço ou a obra entregue for considerado adequado, em quantidade e em qualidade, a Administração dará o seu “de acordo”. Nesse momento, assumirá, juridicamente falando, o dever de pagar uma quatia financeira correspondente; ao mesmo tempo em que realizará a última fase do processo de liquidação da despesa, qual seja, o ateste. A partir de então, a unidade administrativa que até então assumira a responsabilidade de somente guardar e conservar o que lhe fora entregue, também poderá utilizá-lo na prestação dos serviços públicos.

Em síntese, o estágio da liquidação da despesa será iniciado com a fase material, submeter-se-á a uma fase cognitiva vindo, em seguida, a se aperfeiçoar mediante o ateste manifestado pela Administração. Somente após é que existirá, juridicamente, a obrigação de pagar, habilitando-se o fornecedor ao direito de receber a contrapartida financeira correspondente.    



[1] O Volume I do Manual dispõe sobre os Procedimentos Contábeis Orçamentários.
[2] Art. 73.
[3] Art. 74.
[4] Cognição corresponde a ato ou processo de conhecer, inclui estados mentais e processos como pensar, a atenção, o raciocínio, a memória, o juízo, a imaginação, o pensamento, o discurso, a percepção visual e audível, a aprendizagem, a consciência, dentre outras.

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